Na Bandit 650S a Machu Picchu

Esta página visa a compartilhar as vivencias que tivemos numa viagem de Ijuí, Rio Grande do Sul, a Machu Picchu. Foram mais de sete mil quilômetros feitos em treze dias com muitas experiências para contar e algumas dicas.

Este é o mapa da estrada percorrida: Ijuí, Santo Tomé, Corrientes, Resistencia, Papmpa del Infierno, Salta, Villazón, Potosí, La Paz, Cusco, Arequipa, Tacna, Arica, Iquique, Calama, Jujui...


 

Saímos de Ijuí no dia 5 de janeiro, cedo, ás 6:00 horas. Essa é uma regra que tento cumprir, acordar cedo e deitar cedo. É que de moto as primeiras horas da manhã são preciosas, descansado, depois de um café, as primeiras centenas de quilômetros ficam bem prazerosas. Assim, a regra pessoal é durante o dia avançar pelas estradas e quando o sol começa a descer, buscar onde pernoitar. No início de nossa viagem nos encontramos com Francisco e sua CB 1300 em São Luiz Gonzaga, combinamos no terceiro posto de gasolina, indo em sentido São Borja, e quando cheguei, o posto estava abandonado... duvidei, mas depois de 5 minutos apareceu o Chico na sua 1300. Pronto! A seguir. Às 9:30 estávamos na fronteira. Esse passo de fronteira é pela ponte internacional. Por ser um passo com pedágio nunca tem muita fila. Das fronteiras essa foi sempre a mais rápida... poucos minutos para Chico, mais alguns para mim, que fiz carta verde e os papeis para entrar na Argentina.  Seguimos pelas rutas 14 e 34, para pegar a 12 que nos levaria ao oeste da Argentina. No fim da tarde chegamos a Corrientes e antes da ponte, para passar ao Chaco, fomos parados por um policial. O primeiro e último pedido de propina tinha que ser divertido, mas me estressei um pouco. 100 para o churrasco porque andávamos pela "via errada". Eu sabia que essa regra não existe. Nunca dei dinheiro e não dou, sempre me desculpo com o argumento de que pago tudo com cartão “por segurança” (Llevo tarjeta, no llevo dinero por seguridad). Pero como paga las multas? Perguntou o policial incrédulo... No banco! Como todo o mundo! Respondo. O policial ofereceu Fanta gelada para Chico (eu não aceitei) e ainda tentou tirar uma grana... kkkkk... No fim, saímos na estrada com dois copos de Fanta para o Chico e sem deixar dinheiro. Motos com placa de Brasil podem ser uma tentação para policiais corruptos e mal pagos. Mas os motoqueiros não devem se amedrontar, eles só podem demorar e isso pode ser um motivo de descanso. No fim chegamos a Resistência, fomos acolhidos pelo fotógrafo, Juan Franco, num Hotel do lado da Galeria, em Mitre y Roca. Gostamos e voltamos doze dias depois... O dono do hotel tem uma Strong, acho que isso fez a diferenca no atendimento que davam para as nossas crianças Suzuki 650S e CB 1300. Sempre buscamos Hotel com vagas para elas, é a única condição na nossa busca.

No segundo dia, depois de tomar o café abastecemos as motos e pegamos a estrada. Contabilizamos as barras de cereal, duas caixas e mais umas vinte... Parecia exagero no inicio, mas no decorrer da viagem seriam aliadas, pois não almoçamos, preferimos andar e "o almoço atrapalha e não é necessário" (Dr. Enrrique A Usubillazaga, 2014).

 

Levo uma pequena sacola térmica no baú, com água fria e Red bull. Quando se vai passar horas na estrada e com temperaturas que variam entre 40 e zero graus, melhor levar o básico; alguns analgésicos, antitérmicos. Usei Tilenol em La Paz, sei lá porque motivo deu febre. Mas voltando ao segundo dia, depois de abastecer as motos e lubrificar as correntes (eu com óleo com grafite e Chico com graxa branca), pegamos a estrada 12. E nossa!!! Essa é boa... São 800 km, quase tudo em linha reta. Tem que ter cuidado com combustível, dá para fazer sem problemas, mas não pode deixar de calcular de cidade em cidade. “Cuidado” depois de Roque Saenz Peña! No mapa diz tudo em linha reta. Eu tirei o GPS e quando cheguei no trevo com a 94... era para virar à direita... Fizemos 50 km a mais e tivemos que voltar... Depois passamos por Pampa del Infierno com muito sol, quente! Entre o trevo da ruta 6 e Pampa de los Guanacos, nuvens de borboletas. Assim as motos ficaram toda a viagem e as asas de borboletas nos acompanharam até o altiplano. Tudo parecia desabitado... mas quando paramos uma outra nuvem de crianças veio a nosso encontro para ver as motos. Repartimos barras de cereal... kkkk... As estradas são seguras. Só fica ruim entre Monte Quemado e Joaquin Gonzales, é uma parte de muitos consertos e alguns buracos. Tem que ter cuidado com os porcos suicidas. Deve ser uma espécie típica que nessa região tem o mal hábito de atravessar na frente das motos. Se vê um porco passa beeem.. devagar. Porque cada 10 desses bichos, 5 se atravessam sem outro motivo aparente que o mesmo desafio. O Chico por pouco não se mistura com a carne de um desses na ida, eu na volta tive que driblar porquinhos, uns três...


 

Chegamos à ruta 9 quando já era o fim da tarde. Seguimos até Salta. Olha, Salta é linda!! Paramos num hotel a uma quadra da praça, e jantamos entre prédios de arquitetura colonial. O trato cordial e com respeito foi um traço do povo de Salta. Cidade com personalidade, pelos benefícios geográficos, sua estética, seu clima... Outra coisa importante, sempre pedíamos hotel com wifi. Levar telefone com plano internacional e wifi ajuda a menter o contato com pessoas da familia. Se alguém quer fazer o Passo de Jama, aproveitem e fiquem em Salta... eu adorei essa cidade!!! E bom deixar as motos prontas, ou seja, com gasolina e corrente lubrificada, antes de dormir. Desse modo no outro dia conseguimos bem cedo partir rumo a Bolivia.

O terceiro dia era ainda um desafio de 720 km, de Salta a Potosí, passando por Villazón. Deixamos a Argentina e suas belas paisagens do norte para entrar na Bolivia. Belas montanhas e suas estradas exelentes, com suas infinitas curvas que se desenham, foi uma experiência única. As pessoas no sul da Bolivia tem uma humildade que parece um traço natural. Não tem essa caraterística agressiva do sul, parecem mais calmos, afetivos, e os sorrisos são muito mais comuns. Esse trajeto foi demorado pelo passo de aduana, mas a partir daí deu para fazer um bom ritmo. Em todos os paises é necessário ter os documentos da moto e do condutor. Só no passo de Peru para Chile que complicam com três vias que devem ser carimbadas por migração e aduana. A Potosí chegamos de noite. O GPS não oferece distinção das ruas, o que tornou mais interessante a busca pelo Hotel onde ficar. As pessoas de Potosí foram muito simpáticas e a cidade oferece um estilo particular. As ruas estreitas só permitem a passagem de um carro, não foram feitas para trafegar carros e sim pedestres. No outro dia de manhã tiramos algumas fotos.
 

No quarto dia saímos do hotel em Potosí em busca de gasolina, achamos um posto mas o atendente só começava a despachar a partir das 9. Às 8:45 horas já tinha fila, e nós nas motos olhando para ele que estava disposto a começar seu trabalho às 9 e não antes dessa hora. Apoiando o seu contrato do ponto de vista trabalhista fiquei pronto para esperar, mas depois de cinco minutos, o atendente se dispôs a encher nossos tanques. Ótimo! Partimos rumo a La Paz. As estradas em exelente estado, mas o ingresso nas cidades é um pouco caótico. A temporada em que nos fomos era de chuva, se bem que tivemos poucos momentos com chuva no percurso. A chegada a Oruro foi complicada. Quando um motoqueiro vê uma nuvem de chuva na estrada, duvida se deve pôr a capa de chuva ou continuar. Mas quando andamos a 4.000m de altitude ou mais, vale a pena não correr riscos, pois a temperatura baixa e a roupa molhada não permite que o corpo conserve a temperatura. Em Oruro, muitos desvios e barro dificultaram a passagem das motos. Até tivemos que passar por uma trilha em declive, mas as motos se comprotaram bem. Nesse dia passamos pelo Poopo, lago irmão do Titicaca e do Illimani, que com seus 6.465 metros parece um gigante cuidando da Bolivia. A altitude que começava se faria sentir nessa noite, chegando a La Paz, comecei a me sentir cansado, com falta de oxigênio, é dificil subir as ruas em declive. Um bom exercício de paciência é passear nessa hora. Em fim, em La Paz decidimos parar. Aproveitamos para descansar, conhecer algo do centro da cidade, suas comidas, seus gostos. A cidade é diferente das que tinha visto. Não foi pega pelos tentáculos da globalização, não tem esse ar de Shopping das cidades pos-modernas, o mercado junta as pessoas. Os transportes públicos são coloridos e formam parte da dinâmica dos cidadãos. A gastronomia é boa. Picada a lo macho, truta, são coisas boas para desgustar. E o chá de coca é um pulmão artificial para turistas ativos.


 

O sexto dia saímos muito bem. Descansados, bem alimentados com a gastronimia local e já no ritmo do altiplano. Por sorte erramos a estrada e tivemos que pegar a balsa para cruzar pelo Titicaca. A intenção era ir pela ruta de Desaguadero, mas errei e fomos pela ruta 2. Daí que aproveitamos e fizemos navegar as crianças. As balsas cruzam por um lago de uma cor azul incrível numa altitude única. Subi a moto com desconfiança, pois ficaria sobre uma tábua e dos lados só os buracos do corpo da embarcação. Para sair, não é possível puxar os 240 kg sem a ajuda de alguém. Mas o esforço vale pelas paisagens. Flutuar nessas águas com a Bandit foi a realização de um desejo. Um desejo cultivado por anos, em que o Titicaca aparecia como um sonho contado nos livros de geofrafia.


 

Caminho a Peru.

Tinhamos atingido uma meta, a do lago. Agora buscávamos chegar a Cusco e depois de visitar as ruinas Incas, cruzar pela planicie até o Chile. A travessia até Cusco, depois de fazer os trâmites de fronteira, foi muito tranquila. Como os porcos no chaco argentino, nas altiplanicies temos as llamas, os guanacos e outros quadrúpedos móveis  se cruzam diante das motos. No Peru o tráfego é mais intenso e desequilibrado que na Bolivia, mas nada dificíl de entender para nós que sabemos que as regras são para serem transgredidas, pela experiência e não por ler Foucault. Aí estávamos andando na altura e encontramos muitos turistas em moto. A finalidade dos passeios em moto, escutei dizer, está  entre o esporte e o turismo. Pode ser, porque depois dessa experiência, posso dizer que o corpo trabalha tanto quanto a mente descansa.

Na cidade de Cuzco a população muda, as regras são as do turismo internacional. As pessoas que na beira da estrada aprendemos a reconhecer mudam e se tornam objetos de observação. Até Cusco víamos pessoas que tinham a humildade como cultura, com uma comunicação maior e uma tecnologia menos sofisticada. É bom ver o contraste para entender o que ocidente fez com as civilizações e até onde pode chegar. As regras do ocidente se curvam ante o espírito humilde que convive com uma natureza hostil e bela.

Já na cidade, para as motos devem-se procurar  hoteis com garagem, no período de verão há vagas no centro, mas não são muitos os hoteis com garagem inclusa. Depois de visitar as Igrejas que tiravam o ouro dos Incas e visitar por US$ 300 as ruinas que os Incas fizeram para que depois de séculos seus descendentes cobrem dos europeus... kkkk... enfim, depois de fazer o papel de bons turistas, voltamos ào mundo selvagem das estradas. Saímos de Cusco, passando por Juliaca bem cedo, pois eperávamos cruzar por uma das estradas mais altas, 4.800 metros. Foi sem dúvida a parte mais emocionante da viagem.

Quando começamos a subir, para fazer esses 270 km de Juliaca a Arequipa, por um deserto. Entendam, deserto mesmo. De areia, pedras, onde é dificil imaginar natureza mais dura.

As estradas muito boas e o combustivel para as motos nunca falta. Mas tem que ser calculado. Depois de 4 horas de deserto e frio de altitude, chegamos a Arequipa que é um oásis. Uma cidade linda! Tem turismo mas não é agressivo como em Cusco. É uma cidade com tanta história que necessita de uma pesquisa e um tempo para ela mesma. Dica gastronômica, os bares em frente à praça oferecem Cuí. Um roedor nada gostoso e demoram para servir... coma outra coisa se tem nojo de rato.

Aqui está o roedor... olhem na cabeça os dentinhos. Bonitinho o animal. Só que não tem carne, só ossos e pode se comer a pele que é bem gordurosa.

A estrada de Arequipa, Peru, para Arica, Chile, oferece a mesma segurança e as paisagens naturais que mudam a cada curva. Fizemos a estrada por Moquegua e Tacna. Cruzamos para Chile e vimos o entardecer no pacífico. Esse dia passamos desertos, quilômetros e quilômetros... Só areia. Trafegar é tranquilo, mas é bom levar água, algum alimento leve e o necessário por se acaso fura  um pneu. Depois conto essa parte.

  

Na passagem para o  Chile foi necessário trocar moeda. O mais prático é levar dólares e ir trocando. Quando sobra se trocam as moedas locais nos passos de fronteira. É bom levar o cartão desbloqueado, pois podem se fazer saques em todas as cidades. Em Arica encontramos o movimento de uma pequena cidade de praia. Depois de passear e tirar fotos, na hora da janta buscamos mas não achamos locos, pois era tempo de veda para esses bichinhos. No outro dia partiriamos para Calama e fomos deitar cedo.  

A saída de Arica foi legal porque encontramos um uruguaio radicado na Venezuela que nos acompanhou ate Iquique. Nós seguimos esse dia até Calama, fazendo 700 km. Logo depois da saída fomos formando um grupo. O venezuelano, dois canadenses, tres equatorianos, um brasileiro, um argentino e dois chilenos.

Até então éramos um grupo de desconhecidos, mas essa tarde tinhamos uma estrada e um conjunto de interesses em comum. Eu levava um galão de 15 l de gasolina que ficou a disposição do grupo, mas fui eu que necessitei deles mais a frente. Quando a Bandit ficou inestável... era um pneu furado por uma pedra em forma de cunho. Consertei com um macarrão de borracha e uma cápsula de C2. Mas todas as pessoas que vinham foram parando, até o time de Equador que estava indo ao Dakar ofereceu o carro de apoio que tinham para filmar. Foi engraçado ter tanta assistência. Até nos filmaram consertando o pneu...


 

Conserto que funciona...


 

Os colegas chegando...

Na estrada toda ajuda que possas dar a um motoqueiro é vital.

Seguimos até Iquique e bordeamos a costa do pacífico. As nuvens pareciam antecipar a nossa subida ao Jama. Nesta foto a sorte fez que a 1300 ficasse exposta!

Já na rotina, ao décimo primeiro dia saímos de Calama cedinho para enfrentar o Passo de Jama. É bom fazer cedo, pois a partir das 16 horas começa a esfriar e a coisa complica. Lembremos que estamos a 4.000 m de altitude. Nós passamos de manhã. O frio ainda mostrava suas marcas ao lado da estrada... zero grau.

E mais na frente, umas duas horas... o branco se extendia por todo o altiplano... e a temperatura subia...

Mas agora era "sal"!!! Cloreto de sódio, campos brancos...

Daí começamos a descer para Jujui. A estrada oferece centenas de curvas. Por estar mais perto, fomos mais ousados e curtiamos mais a estrada. Acho que a confiança depende não só do conhecimento, mas também das circunstâncias. Na Bolivia as estradas são boas, mas se perdes uma curva, irmão... quem te socorreria no deserto? daí que multiplicávamos os cuidados. Por momentos dirigia que nem vovozinha em bike. Já descendo em Jujui, por eu ser argentino, confesso que tinha mais confiança e me diverti mais. Eram as últimas curvas... da viagem... Tudo era beleza... as montanhas de Punamarca, Jujui, são coloridas. Nem parece natureza, parece arte, técnica pictórica. E quente! Esse dia passamos de zero a quarenta graus à tarde.

Essa noite dormimos em Jujui. No dia seguinte chegamos ao Hotel onde dormimos a primeira noite... Caminahmos por Resistência, cidade cheia de esculturas... No último dia, cruzando por Porto Maúa, chegávamos em casa. Foram 7750 km em 13 dias. Por estradas de 5 paises pudemos reconhecer diferentes modos de ser americanos. Reconhecer a identidade do sul é uma marca que levamos e estamos agradecidos a todos os que nos acompanharam.


 

 

Dicas finais:

Coisas para levar

Documentos da moto. Passaporte. Carteira de motorista. Carta verde. Para Argentina e Perú deve ser feito seguro, para Chile e Bolivia, não é necessário.

Roupa: uma e só uma calça jeans, não se usa mais que umas horas de noite. Jaqueta e Calças de moto, botas impremeáveis, luvas, capa de chuva.

Segunda pele, algumas camisetas 5, meias 5, cuecas tipo box, porque o elástico das outras pode incomodar. Se as meias e as cuecas não secam de noite, podem ser secas pendurano elas no espelho.

Blusa de lã, luvas de lã para por baixo as de moto nas temperaturas de zero.

Para a moto: Lubrificante de corrente, filtro de óleo, pano para limpar, GPS, kit concerta pneus (pode se comprar em esse tal marquinhomotos... pela net.) As Alforges Frontside já tem duas viegens, 4700 km a  chile e agora os 7750 a Perú; muito firmes e não entra água porque a roupa fica dentro de bolsas impermeáveis.

Os pneus foram muito bons. Michelin Pilot Road 3. É muito bom ter esse sistema de dois compostos, pois gasta de modo diferente quando se usa nas curvas. Não sofreu muito, fiz com eles 13.500 km e pode ainda andar com segurança mais alguns...
 


 

Sei que alguns pensam que é dificil. Náo é. Nem é perigoso. Os limites são criados pelos nossos fantasmas... Fazer um passeio assim enrriquece... ´

Por existir não podemos deixar de viver, ou em outros termos... "Pelo amor à vida não se pode perder as razões do viver". Rocha


 

"...Et propter vitam vivendi perdere causas". Juvenal  

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